Inovação que transforma vidas: diagnóstico precoce do autismo com acesso e acolhimento

No Brasil, milhares de famílias enfrentam anos de incerteza até o diagnóstico de autismo em seus filhos. Esse atraso significa perder uma janela crítica para intervenções que poderiam mudar o curso do desenvolvimento. Atenta a essa realidade, a neurocientista Mara Lúcia Cordeiro, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e PhD pela Universidade da Califórnia — Los Angeles (EUA), coordena, desde 2020, projetos que se concentram na detecção precoce, na identificação de fatores de risco e na investigação dos aspectos genéticos do transtorno do espectro autista (TEA).
A iniciativa reúne uma equipe interdisciplinar dedicada a compreender fatores clínicos, sociais e genéticos do TEA, além de criar ferramentas práticas para o diagnóstico precoce. “O diagnóstico precoce é essencial, porque permite intervenções que podem mudar consideravelmente o curso do desenvolvimento da criança”, destaca Mara Cordeiro.
Ferramenta inédita de rastreio
Um dos principais resultados foi a criação da Escala BC (Bara-Cordeiro), um instrumento observacional validado em contextos de vulnerabilidade, que está sendo transformado em aplicativo para uso por pediatras, psicólogos, enfermeiros e neuropediatras da atenção primária. “Com a escala validada, é possível capacitar equipes básicas para reduzir o tempo de espera do diagnóstico e agilizar o cuidado”, explica a pesquisadora.
Além das análises clínicas, os estudos mostraram o impacto do TEA nas famílias brasileiras. Muitas relataram níveis elevados de estresse e falta de apoio. Para Mara, isso reforça a necessidade de um acompanhamento multiprofissional e humanizado: “O diagnóstico pode trazer alívio por dar nome ao que antes era uma angústia sem explicação. Mas também gera medo, culpa e insegurança. É fundamental apoiar as famílias nesse processo.”
Avanços na genética
As pesquisas também abrangeram um amplo estudo genômico com 239 crianças e adolescentes com TEA. Foram identificadas variantes patogênicas em 27 participantes, incluindo mutações no gene CHD2, relacionado à epilepsia e ao atraso no desenvolvimento.
“A genética não substitui o olhar clínico, mas pode ser uma aliada poderosa, ajudando a traçar perfis de risco e orientar intervenções personalizadas”, realça Mara Cordeiro.
Os achados têm potencial para subsidiar protocolos de triagem em serviços de saúde e estão em fase de divulgação científica. O próximo passo é ampliar o alcance: integrar essas ferramentas ao SUS, com propostas de triagem universal, capacitação de profissionais e acompanhamento contínuo de crianças em risco.
A mensagem final da neurocientista é um convite à esperança: “Cada criança tem um potencial único. Informação, acolhimento e intervenção precoce fazem toda a diferença. Famílias, vocês não estão sozinhas.”