Erros Inatos da Imunidade: doenças genéticas que comprometem as defesas do corpo já na primeira infância

Você sabia que infecções recorrentes na infância — aquelas pneumonias, otites ou até febres que precisam de internamento — podem ser o sinal de algo muito mais sério por trás do sistema imunológico? Esses quadros podem estar ligados a doenças genéticas pouco conhecidas, mas com enorme impacto na saúde das crianças: os Erros Inatos da Imunidade (EII), também denominados Imunodeficiências Primárias.
Essas condições ainda são confundidas com a chamada imunidade baixa e frequentemente passam despercebidas, porém representam um grupo de mais de 500 defeitos genéticos que afetam o funcionamento do sistema imunológico e podem aumentar a suscetibilidade a infecções, inflamação, autoimunidade, doenças alérgicas graves e até mesmo certos tipos de câncer.
A pesquisadora Carolina Prando, diretora de Medicina Translacional do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe (IPP), lidera um projeto que une ciência de ponta e atenção especializada para detectar precocemente essas doenças raras em bebês e crianças. Ela atua também como professora do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Aplicada à Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdades Pequeno Príncipe (FPP) e do IPP, no qual contribui para formar pesquisadores e profissionais preparados para lidar com os desafios da imunidade infantil.
“Muitas vezes, o que parece ser apenas uma infecção é, na verdade, o primeiro sinal de uma falha invisível do sistema imunológico. A ciência tem um papel essencial em identificar essas falhas precocemente e mudar o curso dessas doenças”, explica a pesquisadora.
Entendendo os Erros Inatos da Imunidade
Apesar do nome técnico, a lógica por trás dos EIIs não é simples: são falhas genéticas que prejudicam a capacidade de o corpo defender-se contra infecções. A estimativa é de que um bebê em cada dois mil a dez mil nascidos vivos apresente algum tipo de imunodeficiência primária, embora o número real possa ser ainda maior devido à subnotificação e à complexidade e dificuldade de acesso ao diagnóstico.
E é justamente nos primeiros anos de vida que surgem os sinais de alerta: infecções graves ou de repetição, como pneumonias, otites, sapinho que não melhora, abscessos de pele, internamentos frequentes ou mesmo reações adversas à vacina BCG.

Tipos mais comuns e sintomas de alerta
Entre os erros inatos mais conhecidos estão a Síndrome de DiGeorge, a Deficiência Seletiva de IgA, a Imunodeficiência Comum Variável e a Imunodeficiência Combinada Grave (SCID) — essa última considerada a forma mais severa e potencialmente fatal se não diagnosticada e tratada a tempo.
“O acompanhamento médico cuidadoso, especialmente diante de infecções que fogem ao padrão normal da infância, pode fazer toda a diferença. Muitas vezes, o diagnóstico precoce pode salvar vidas”, reforça Carolina Prando.
Diagnóstico: quando a ciência vê o que o corpo esconde
O trabalho da equipe do IPP busca justamente ampliar e acelerar esse diagnóstico. A abordagem inicial inclui exames simples de sangue, como hemograma e dosagem de imunoglobulinas, mas também exames mais complexos, como a imunofenotipagem de linfócitos e as investigações genéticas mais avançadas, como o painel genético imunológico, o sequenciamento de exoma (que analisa cerca de 22 mil genes humanos).
Os testes de TREC e KREC podem tanto auxiliar o processo diagnóstico como, principalmente, ser utilizados na triagem neonatal para condições que afetam o desenvolvimento dos linfócitos.
Esses são alguns dos exames utilizados na rotina de investigação dos erros inatos da imunidade aplicados nos ambulatórios do Hospital Pequeno Príncipe, que é referência nacional no cuidado pediátrico. A ordem e o tipo de exame estão sempre condicionados à qual manifestação clínica a criança apresenta.
E o tratamento?
O tratamento varia conforme o tipo e a gravidade da doença. Em muitos casos, a reposição de imunoglobulina (por via intravenosa ou subcutânea) e o uso contínuo de antibióticos ajudam a manter as infecções sob controle. Casos mais específicos podem demandar imunobiológicos e até transplante de medula óssea.

Uma ciência que protege desde o início da vida
O projeto coordenado por Carolina Prando no IPP representa um avanço importante na chamada medicina translacional, que leva o conhecimento dos laboratórios diretamente para o cuidado clínico das crianças. A ideia é transformar descobertas científicas em ações concretas que salvam vidas — especialmente aquelas que estão apenas começando.
“Investir em ciência é investir no futuro das nossas crianças. Quando conseguimos diagnosticar precocemente um erro inato da imunidade, damos a chance para que essa criança cresça com saúde, vá à escola, brinque, viva plenamente”, afirma Carolina.
Informação que salva
Não há como prevenir o desenvolvimento das manifestações clínicas dos erros inatos da imunidade, contudo conhecer os sinais, estar atento ao histórico familiar e buscar ajuda médica especializada é um passo essencial. E, claro, investir em ciência e em políticas públicas que garantam o acesso ao diagnóstico e tratamento para todas as crianças brasileiras.